segunda-feira, 15 de junho de 2009

Nós que aqui estamos por vós esperamos


Frases de CEMITÉRIO... O que os mortos querem nos dizer?



Documentário de Marcelo Masagão, banhado por música melancólica e penetrante, retrata o século XX. Ao iniciar a obra, logo percebemos que se trata do relato visual de histórias, vemos muitas imagens de sepulturas, desse modo, no decorrer das cenas, somos levados a imaginar que estamos circulando por um cemitério, ideia que fica ainda mais clara quando lembramos do título do filme, "nós que aqui estamos, por vós esperamos". O sentido do título exprime em sua essência o FIM, o homem que "veio do pó" e ao "pó retornará", não importando o que fez ou deixou de fazer durante sua vida.
Trabalhando nessa perspectiva, Masagão utiliza imagens de pessoas famosas como Garrincha, e de cidadãos comuns, como trabalhadores de uma indústria, sem fazer distinção alguma - todos somos iguais - parece ser essa a ideia a ser transmitida. E sendo iguais, todos temos o mesmo fim e a mesma importância.
O filme traz cenas que cogitam mil interpretações. Encontramos desde o individuo que se limita a sobrevivência, o trabalhador da fábrica, que com seu salário jamais possuirá o carro que produz. Até imagens, que expressam o oposto, demonstram onipotência, poder, glória, ou pelo menos tentam, como no caso da explosão de um ônibus espacial. A impressão que se dá, é que temos exposto os vários olhares sobre o Homem, expressando muito mais que sua história, vemos seus sonhos, desejos e sentimentos.
Uma frase que marca as imagens é a do professor McLuhan; “os homens criam as ferramentas. As ferramentas recriam os homens". Muito reflexiva, quando se tem junto dessa frase, imagens de bomba atômica, guerras, sangue. O século da corrida espacial, da engenharia genética e de tantas outras maravilhas criadas pelo homem foi também o século da invenção das fórmulas da destruição em massa, do genocídio e da completa intolerância.
Mesmo com tantos meios de comunicação para aproximar os homens, nunca estivemos tão distantes e impessoais: o outro se tornou um estranho. Ciência e tecnologia não produzem necessariamente bem-estar e fraternidade.
Talvez Hobsbawm em “A era dos Extremos” nos ajude a fazer uma leitura dessa realidade, ao afirmar que o homem nada tem a se orgulhar, pois, sua concepção do mundo é um pecado, sua vida é somente trabalho e a morte é a redenção. O saldo final é irônico: hoje somos muitos mais, vivemos muito mais e em lugares mais inóspitos, controlamos e somos capazes de prever os cataclismos. Mas ninguém responde: para quê vivemos mais? Possivelmente para produzir mais riquezas que obviamente irão parar em mãos alheias às nossas.
Através das cenas de produção sistemática, entendemos que o grande marco de entrada do século em questão acontece em 1913, com o Fordismo, sistema de produção que buscava grandes lucros em pouco tempo, baratear o custo final através da exploração do empregado não é a novidade do referido século, contudo, o desenvolvimento de produtos em massa, somado a produção de “ideias” e “ideais” em massa, pelos meios de telecomunicações (rádio e televisão principalmente), resultam em um processo de alienação e desigualdade.
Muitos trabalhadores e poucos donos da produção, essas imagens são as que ficam no quesito economia, se antes tínhamos os escravos e os senhores, a partir deste século além dos escravos, temos os trabalhadores e o patrão.
Assim, podemos dizer que foi um século marcado por proporcionar muita condição de vida e de morte. Contradição? Não. Vida para quem, morte para quem? Temos a grande maioria de pessoas comuns, como nós, que doam suas vidas quase que sem perceber a atividades que nem sempre é o que buscam, que na maioria das vezes não nos tornam felizes ou orgulhosos. Será o homem dono de si? O século XX é marcado como sendo o da massa, do povo, multidão sem rosto e coração, usado na indústria ou na guerra segundo interesses de seus líderes (religiosos e/ou políticos).
Mas durante o século que se passou o povo não reagiu, ninguém fez nada? Algumas vezes, o povo descontente com a maneira como é tratado experimenta algo que consegue ser ainda pior, a ditadura. Tema, retratado pelas imagens fortes, música triste e cores sombrias. Por momentos obscuros do século XX, o pouco de liberdade que o povo usufruía, foi reduzida pelo uso do medo e violência.
A situação se complexifica, quando durante todas essas reflexões mergulhadas no filme, surge na tela a imagem de uma Alemanha enlouquecida, que se diz superior, pura. Uma espécie de lavagem cerebral domina a população, mais mortes, mais sangue, mais dor. O mundo só reage quando de alguma forma a economia é afetada.
Mas não é apenas de guerras que se pode falar, ao interpretar a obra de Marcelo Masagão, o universo retratado é muito mais amplo. O meio técnico-científico-informacional, identidade do nosso período contemporâneo, é retratado. O mundo deste século começa a se globalizar, podemos enfim saber o que acontece do outro lado do globo ou então acompanhar uma copa do mundo. O futebol já presente no documentário com Garrincha, mais uma vez se apresenta em cores vivas e imagens alegres. Futebol, ópio do povo?
A maior parte da população mundial tem algo em comum para compartilhar, em quase todos os lugares do globo homens e mulheres sofrem com a desigualdade, fome, carências e o pior de todos os males, a alienação. Como acalmar uma multidão global? Roma já trazia a solução com seus Cézares há muito tempo, “Panis et Circenses” é a resposta. A copa do mundo e sua falsa imagem de que se o time está bem, tudo vai bem. “Sintonize, se ligue, caia fora!”, essa frase é lançada por Masagão em meio a um mar de flashes que nos lembram a mídia.
O filme, no entanto, não esquece dos revolucionários, daqueles que lutaram pela maioria, pelos apertadores de parafuso, operários e homens do campo, enfim... o povo. Muitas guerras foram travadas com o povo, pelo povo e para o povo, Masagão relembra a revolução mexicana liderada por Zapata, o acontecimento mexicano é descrito como a primeira grande mobilização social da América Latina no século XX. Lembramos também de figuras mundialmente conhecidas como Gandhi e Che Guevara, contudo, para muitos, inclusive gente do próprio povo, “esses” – que se levantam contra o sistema – são considerados loucos, pessoas que vivem no “mundo da lua”. Loucos por pararem, pensarem, refletirem e agirem.
Em 1969 o festival de Woodstock coroa um momento de revolta e protesto, contra a guerra, contra o Estado Estadunidense, contra o modelo de vida do American Way Of Life, juventude protestando, século marcado pela cara de jovens que saíram à luta até no Brasil, será que o século XXI, vai manter o que teve de bom em seu antecessor?
Não posso parar pra pensar, afinal “tempo é dinheiro”! – uns dizem.  O século XX foi marcado pela revolução da velocidade, pelo instantâneo, grande mudança causou o advento do “rádio, eletricidade, aspirina”. A digitalização, a internet, a era da informação tem inicio no final do século em questão, e as relações humanas, onde ficam? Viram líquido, e escorrem para dentro de si mesmos. Aprendemos neste século a sermos individualistas, a pensarmos em nós, todo dia ouvimos falar em competitividade, ser melhor que o outro, tudo pelo “doce fedor do sucesso”.
A moral, a conduta, a família, tudo foi ganhando novos significados, morrendo aos poucos. O mundo hoje é mais liberal, “Liberté, Fraternité, Égalité”, a bandeira da revolução francesa ganhou novos horizontes nos últimos cem anos, porém, também ganha novos sentidos, pois todos somos “Livres” para trabalhar, somos irmãos que se exploram (amor fraternal?), e a “igualdade”, sim ela existe, homens, mulheres, crianças, todos iguais enquanto mão-de-obra barata.
O filme que nos deu combustível para escrever este texto, termina com indagações a respeito de Deus. Onde está Deus afinal, que vendo a humanidade caminhar para seu próprio fim nada faz. Uns o procuram nas forças da natureza, outros dizem que ele está nas Igrejas, outros ainda, acreditam que ele esteja no inferno. Enquanto alguns procuram, milhares de seres humanos estão à espera que o próprio Deus os encontre. Onde está Deus? “Deus está morto” – responde Nietzsche, filósofo alemão do século XX. Até Deus nós matamos nesse último século.