quinta-feira, 12 de julho de 2012

Samsara



AnA:
 como vencer o medo das palavras?
 cada escrita é um parto.

Eu:
bem sei que é. e que dói.
talvez encará-las ajude.

AnA:
será que um dia pára de doer?

Eu:
se parasse, não faria outra coisa.

AnA:
pois é!
as vezes adivinho que não será assim pra sempre.

Eu:
que sua adivinhação seja o Amém dos anjos.

AnA:
é que desconfio, como quem já tivesse atravessado, que é só o começo espinhoso, os primeiros tombos até aprender a se equilibrar na bicicleta
depois é só não parar de pedalar
algumas vezes vem como certeza, principalmente nas noites em que o sono não vem e as verdades transfiguram luminosas
mas então, nas manhãs, é como se eu esquecesse todo o sentido durante a noite
e preciso reaprender de novo
preciso sair do ciclo

Eu:
talvez seja essa a nossa samsara,  o fluxo incessante de renascimento através das palavras.

terça-feira, 10 de julho de 2012



NO                                           








“Quando em teu colo deitei a cabeça, meu camarada, 
a confissão que fiz eu reafirmo,
o que eu te disse e a céu aberto 
eu reafirmo: sei bem que sou inquieto 
e deixo os outros também assim, 
eu sei que minhas palavras são armas 
carregadas de perigo e de morte (...)”
(Walt Whitman)

Começo esse texto com as palavras do poeta, ensaísta e jornalista norte-americano Walt Whitman, pois esse texto foi construído com a leitura dos jornais virtuais que noticiaram sobre o andamento da Cúpula dos Povos. Além do mais, minhas palavras também são “confissão” – “palavras são armas / carregadas de perigo e de morte”.
Estive presente no Rio de Janeiro na semana que ocorreu a Rio +20 e a Cúpula dos Povos, esse texto trata da minha experiência na Cúpula. Tenho interesse em refletir sobre como as bases sociais articuladas politicamente foram tratadas na Cúpula dos Povos, em contraste com o glamour vivido pelos líderes mundiais que estavam na Rio +20.

A CÚPULA DOS POVOS: UMA VERDADE INCONVENIENTE
“Esse Brasil lindo e trigueiro
É o meu Brasil Brasileiro
Terra de samba e pandeiro...”
(Aquarela do Brasil, João Gilberto)


A Cúpula dos Povos foi inspirada no Fórum Global, também realizado no Rio de Janeiro – conhecido mundialmente como “Rio 92” – realizado também no Aterro do Flamengo. De acordo com informações da BBC (quem quiser saber os sites, mande-me um e-mail que lhe envio artigo completo), para o ano de 2012, 15 mil ativistas foram esperados para a cidade do Rio de Janeiro para participar da Cúpula dos Povos. Essas pessoas ficaram em alojamentos distribuídos pela cidade, entre eles o Sambódromo, escolas públicas e a Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Somente no Sambódramo, cerca de 10 mil pessoas ficaram instaladas no decorrer dos dez dias do evento. A entrada da imprensa no Sambódramo foi proibida. Em reportagem exibida no portal “terra.com.br” encontramos o seguinte relato: “Não se pode entrar, isso agora é propriedade privada”, explica Edson Souza, um voluntário que diz cumprir ordens dos organizadores. “A comodidade é mínima e não há nada para comer”, queixa-se Antonio Regivaldo, 32 anos, da União Popular por uma Moradia. Na sequencia do texto do referido sítio virtual, encontramos o relato um cacique Potiguara, dizendo que: “Está mal organizado. Deveriam nos dar café da manhã, mas, como sempre, os que têm menos são esquecidos”.
A Cúpula dos Povos foi realizada por iniciativa de 200 organizações ambientalistas e movimentos sociais do mundo inteiro, para, principalmente, lutar contra o mercantilismo e defender os bens comuns. O governo brasileiro foi seu maior financiador desse evento, contribuindo com 5 milhões de dólares, aponta jornal “O Povo”.
Em reportagem exibida no portal virtual G1, no dia 13 de junho de 2012, houve a notícia de que cerca de 10 mil pessoas deveriam ficar instaladas no Sambódramo do Centro do Rio de Janeiro, e nesse espaço haviam mais de 200 banheiros químicos instalados. Pensemos como os organizadores, 10.000 pessoas para utilizar 200 banheiros. Seriam 50 pessoas por banheiro! Qual a higiene de um banheiro desses? Quantas vezes ele deveria ser limpo para atender minimamente as pessoas? Houve preocupação com a salubridade do espaço, houve preocupação com as seres humanos, e principalmente, com a vida? (Não vou falar do meio ambiente.)
O relato denúncia trazido pela reportagem do Estadão, traz as impressões de algumas pessoas que ficaram alojadas no Sambódramo durante a Cúpula dos Povos: 
As principais queixas daqueles que ficaram no Sambódromo dizem respeito às péssimas condições de higiene do local e à comida, que estava estragada e fez com que alguns passassem mal. “Nunca vi tanto desrespeito. Eles trouxeram índios para virarem atração turística. Não tiveram a menor dignidade ao tratar os povos tradicionais”, reclamou a educadora paulista Mirian Orensztejn, que estava com a neta, a índia carajá Myralu Werreria Orensztejn, de 3 anos.
A organização não se responsabiliza pela alimentação comprada. “Alguns grupos receberam vale-refeição e uma lista de restaurantes credenciados. Mas preferiram comprar em locais não recomendados”, disse Alessandra Alli, coordenadora de alojamento da Cúpula dos Povos.

Estive presente no evento durante os dias 16 a 21 de junho, também instalados no Sambódramo, e não recebi nenhuma lista de restaurantes credenciados. Também não recebi vale-refeição (tickets) todos os dias em que estive no Sambódramo. Esse fato nos leva as contas mais uma vez; 10 mil pessoas recebendo 24 reais de vale-refeição por dia, durante 10 dias, temos um gasto total de R$ 2,4 milhões. No entanto, vale lembrar que nem todas as pessoas ficaram os 10 dias no evento, portanto o gasto provavelmente foi menor. Levando em consideração que o Governo Federal destinou 5 milhões de DÓLARES fica a questão – porquê as pessoas não receberam tickets todos os dias? O que foi feito com esses vales-refeição que não foram entregues? Quem são os líderes responsáveis por repassar esse valor à população que estava alojada no Sambódramo? A quem cabe repassar uma prestação de contas à população?

Como PENSAR NÃO É PROIBIDO, me aventuro a dizer: talvez seja consenso entre aqueles que acompanharam de perto esses dois eventos em 2012 que ambos foram a expressão do Zeigst que vivemos. De um lado os poderosos líderes mundiais representando os interesses de uma elite global – a Rio+20 foi a expressão de como as coisas podem ser organizadas quanto o que está em jogo é a imagem do país.
Por outro lado, temos a Cúpula dos Povos que demonstraram a força dos movimentos de base no país e no mundo. As passeatas, reuniões, palestras, abriram espaço para o povo gritar seu descontentamento por um modo de vida que prejudica o mundo e a humanidade. Também podemos observar a fragmentação dos interesses populares, muitos grupos erguendo diferentes bandeiras: anarquistas, feministas, movimento sem terra, movimento sem teto, movimento indígena, movimento por moradia popular, movimento quilombola, para citar alguns. (Não pretendo julgar se isso é bom ou ruim.)
A declaração final da Cúpula dos Povos na Rio+20 foi divulgada na internet (é só perguntar ao Google) com o título: “Por Justiça Social e Ambiental em Defesa dos Bens Comuns, Contra a Mercantilização da Vida”. No documento em questão, encontramos um texto preocupado em atacar o atual mercado financeiro, a sociedade de consumo e, principalmente a MERCANTILIZAÇÃO DA VIDA.
Interessante notarmos que apesar das intenções, o que presenciei no Sambódramo foi totalmente o oposto da luta contra a mercantilização da vida. Durante os dias da Cúpula dos Povos, observamos pessoas passando fome no Sambódramo, pessoas dormindo em jornais, tickets que simplesmente desapareceram.
Foi fácil observar a política brasileira sendo reproduzida da maneira mais fria e cruel. Se as pessoas participassem das barracas e palestras definidas pelo líder de determinado grupo, elas ganhariam o direito à alimentação (tickets). Se as pessoas não “obedecessem” seus líderes os vale-refeições não eram recebidos. Uma troca desumana, desigual, injusta: o apoio popular pelo pão. Isso nos lembra um pouco como as coisas que acontecem em macro escala, nível Brasil, se reproduzem em micro escala, nível local (Sambódramo).
A democracia, mais uma vez, foi esquecida de ser convidada para ambos os eventos. Na Rio +20 o que imperou foi o interesse dos detentores do capital. Na Cúpula dos Povos, apesar das boas intenções, nos parece que o discurso não conseguir chegar as bases e se tornar algo real, preocupado com o ser humano e com a valorização da vida.
Fica desse breve texto a nossa posição crítica, inspiradas no celebre pensamento de Bertold Brecht, de que Nada é Impossível de Mudar:

Desconfiai do mais trivial,
na aparência singelo.

E examinai, sobretudo, o que parece habitual.

Suplicamos expressamente:
Não aceiteis o que é de hábito como coisa natural,
pois em tempo e desordem sangrenta,
de confusão organizada,
de arbitrariedade consciente,
de humanidade desumanizada,
nada deve parecer natural
nada deve parecer impossível de mudar.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Palavras sem maquiagem*



Queria ter nesse momento o dom dos escritores, poetas, artistas...
Queria poder expressar com todas as minhas forças o sentimento que aprisiono em mim,
Queria, através da palavra, libertar meus demônios
Dividir minhas angústias, despir-me de todas as máscaras,
Queria encontrar nas palavras “o eu mesmo”.
Queria poder expor minhas mais profundas vergonhas,
Meus mais obscuros medos.
Queria me agarrar nas palavras como os crentes se agarram na fé.
Queria me libertar de mim mesmo.
Queria alcançar o vazio.
Queria ser mais forte, que as palavras me façam forte!
Queria ser mais disciplinado, atento, focado, reto, atencioso, generoso.
Queria que as palavras me tocassem, como o toque gentil do invisível.
Há algo dentro de mim, que só pode ser mudado através da palavra.
Palavra forte, palavra viva. Palavra que encanta, palavra que liberta.
A palavra tem o poder de libertar e de condenar. O silêncio já não é mais uma opção!
 Meus demônios grunhem incansavelmente. São rasteiros, sujos e sedutores.
Seus gritos se travestem de música. E música lúdica, música hipnótica.
Quando dou por mim, o som acabou, o grunhido sumiu, o coração parou.
As palavras sumiram? Eu sumi com as palavras?
Queria, ainda quero, compreender. 

Mea culpa. Mea maxima culpa.


(Palavras sem maquiagem no sentido de que o texto foi escrito no calor da emoção. Do rascunho à versão final sem nenhuma etapa.)

domingo, 22 de abril de 2012

Dub Poetry (Poesia Dub)


You ask: Why do you write
so much about blood, sweat & tears?
Don't you write about trees, flowers, birds, love?

Yes.

I write about trees -
trees with withered branches
& severed roots

I write about flowers -
flowers on graves

I write about birds - 
caged birds struggling 

I write about love - 
love for destruction 
of opression.

(Você pergunta: Por que você escreve
tanto sobre sangue, suor e lágrimas?
Você não escreve sobre árvores, flores,
pássaros, amor?

Sim.

Escrevo sobre árvores - 
árvores com ramos gastos
& raízes machucadas.

Escrevo sobre flores -
flores sobre sepulturas.

Escrevo sobre pássaros -
pássaros engaiolados lutando.

Escrevo sobre amor -
amor pela destruição
da opressão.)

Fonte: Poema de Oru Onuora. In: CARDOS, Marco Antonio (org). A MAGIA DO REGGAE. São Paulo: Marin Claret, 1997. p.95-96.

domingo, 15 de abril de 2012

Vícios e virtudes





A coisa mais difícil para um viciado é assumir: "cara, eu tenho um vício!". Talvez deva ter um lance de psicanálise pra explicar essa situação, mas isso não vem ao caso agora. Fato, que falar (escrever) nos ajuda a assumir esse "problema". Pois bem, "cara, eu tenho um vício! O poker é meu vício." 
Deve ser estranho para um jogador(a) (iniciante, amador[a], quem sabe profissional) ouvir essas duas palavras tão próximas POKER VÍCIO.

O Poker, joguinho danado, No-Limit Texas Hold'em. Depois que você aprende não quer saber de outro jogo com cartas. Bicho... é viciante! Baixei o programa PokerStars em meu PC, jogo diariamente com pessoas do mundo todo. Há um site ( http://www.everythingpoker.com ) patrocinado pelo PokerStars onde você pode encontrar vídeos, tutoriais, artigos, enfim... uma verdadeira "Tele Aula" sobre poker. Muita grana investida para fazer novos (as) jogadores (as). 

Nesses vídeos você pode ver os profissionais do poker falando que Eu-(você)-nós, posso-(pode)-podemos ficar rico(s), jogando poker. Em verdade, ocorreu de um jogador, que pela primeira vez entrou em um grande torneio de poker, ganhar alguns milhares de dólares (pra ser mais exato: $40 em $2,5 milhões)  o cara ficou conhecido como "Chris Moneymaker". Há torneios que pagam hoje milhares de dólares. Tentador não? 

Os vídeos e tutoriais treinam aqueles(as) que desejam ser bons jogadores(as). Ensinam regras, truques, magias, blefes, e o puta que pariu... para incentivar Eu-(você)-nós a tentarmos um dia ser profissionais, ou pelo menos, arriscar jogar  no PokerStars com dinheiro real. 

É um negócio lucrativo de fato, e acredito sim ser possível que uma pessoas com extrema dedicação e TEMPO transforme-se em profissional. Até aí tudo bem.

O problema é quando o TEMPO passa a ser mal administrado e o poker ganha mais espaço do que deveria.  Heis o mal do vício. Você quer muito ganhar, e vez ou outra ganha. Essa sensação de ganhar, mesmo que um dinheiro de mentirinha, é muito doce e prazerosa. Pena que dura pouco. Tão breve quanto um "fold rápido" no Zoom do PokerStars. Os dias vão passando e o projeto de jogador(a) vai ficando cada dia melhor com a experiência. Então entra o pensamento: "se eu parar agora, perco tudo o que investi. Se continuar me dedicando chego perto de ficar bom". E aí? O que fazer?

Deveras difícil essa decisão. Heis a minha. Tentarei ficar sem poker nessa semana que entra. Na próxima semana escrevo como foi. Vou parar de forma radical. De uma vez só. Espero que eu sobreviva. O primeiro passo será desinstalar o PokerStars do meu computador, bicho... isso dói como gilete na carne. Mas lá vamos nós. Estou me sentindo prejudicado pois ando sem TEMPO para tarefas por hora mais importantes. Se eu resistir a esse vício, quem sabe daqui há alguns anos eu retome a prática. Assim que eu tiver mais TEMPO para praticá-lo. Aos que estão nesse mundo, desejo a todos GOOD LOOK!

Ps.: A virtude do título, penso eu, talvez seja a TEMPERANÇA que, segundo os cristãos, "modera a atração dos prazeres, assegura o domínio da vontade sobre os instintos e proporciona o equilíbrio no uso dos bens criados".