(Davi, olha o que te espera filhão)
Nascer é, sem dúvida, a segunda maior roubada que um ser humano tem que encarar na vida. Olha só: você ta lá no quentinho, boiando, o maior sossego. Não faz absolutamente nada – e, como nem sabe que existem coisas a serem feitas, não sente nenhuma culpa. Tem uma mangueira ligada na barriga, tipo, uma bomba de gasolina, que leva sangue de sua mãe com oxigênio, vitaminas e nutrientes direto pro seu corpo. Você não tem nem que respirar! É o cúmulo da folga.
Nos últimos meses da gestação você ouve. Se a sua mãe escuta música, é o paraíso: piscina aquecida, comida de graça e som ambiente. Huuum, interessante. O coração da mãe faz um barulho ininterrupto, tum, tum, tum, tum. Monótono, mas reconfortante. Você dorme, acorda, percebe que o tamborzinho tá lá, no mesmo ritmo e vai dormir de novo, tranqüilo, sabendo que tudo continua como antes.
Mas eis que de repente, não mais que de repente, epa!, tem algo estranho acontecendo. Destamparam o ralo da piscina? A bolha furou? As paredes vão se fechando, algo o empurra. Você não tem a menor ideia do que seja, mas boa coisa não parece.
Dito e feito: a passagem é estreita, quase o sufoco. Você sai vivo do outro lado (existe um outro lado!), aí bate uma baita luz na tua cara, um frio do diabo e pronto, quando você vai ver – e ver dói, arde o olho – tá ali, todo melecado e pelado no meio de desconhecidos. A cultura ainda não lhe deu as ferramentas para entender lhufas, mas a natureza já o brindou com os instintos e a primeira sensação da vida deve ser um medo profundo. Que roubada você pensa. Ou melhor, sente.
Programão, hein? Mas quando tudo parece perdido e você começa a sentir um negócio que, mais para a frente, seria formulado como “onde é que eu fui amarrar o meu burro?!”, algo de bom finalmente acontece: botam você num colo. Colo é uma coisa quentinha, cheirosa, um lugar realmente bom de estar. (Deus deve ter ganho algum prêmio de design pela criação do colo.) você vai se acalmando e quando já está pensando “bem, não posso reclamar”, acontece outra coisa maravilhosa: você se vê diante de um peito. (Se Deus não ganhou um prêmio de design com o colo, ganhou com o peito: melhor conceito, melhor embalagem de alimentos e melhor projeto, em todas as categorias.) e colocam o peito na sua boca. E você chupa, e vem leite, doce, quente. Ah, mangueira na barriga o escambau! Comer pela boca é muito melhor. Você dá um arroto, se ajeita ali no colo e dali em diante, começa a encarar essa coisa chamada vida, com ursinhos de pelúcia, bicicletas, vestibulares, amor, tédio e outros ingredientes mais ou menos importantes.
Pelo menos até o dia, ninguém sabe quando, em que se deparar com a primeira maior roubada da vida de um ser humano. Só espero que, nessa gora, também exista um lado de lá, com colos, peitos, essas coisas.
Texto de Antônio Prata
Que lindo, Dalvi!
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirMaravilhoso este texto relata exatamente o acontecimento da vida e principalmente a emoção de ser pai e mãe...
ResponderExcluirParabéns Amigo