terça-feira, 17 de agosto de 2010

Nascer, morrer, essas coisas...

(Davi, olha o que te espera filhão)

Nascer é, sem dúvida, a segunda maior roubada que um ser humano tem que encarar na vida. Olha só: você ta lá no quentinho, boiando, o maior sossego. Não faz absolutamente nada – e, como nem sabe que existem coisas a serem feitas, não sente nenhuma culpa. Tem uma mangueira ligada na barriga, tipo, uma bomba de gasolina, que leva sangue de sua mãe com oxigênio, vitaminas e nutrientes direto pro seu corpo. Você não tem nem que respirar! É o cúmulo da folga.

Nos últimos meses da gestação você ouve. Se a sua mãe escuta música, é o paraíso: piscina aquecida, comida de graça e som ambiente. Huuum, interessante. O coração da mãe faz um barulho ininterrupto, tum, tum, tum, tum. Monótono, mas reconfortante. Você dorme, acorda, percebe que o tamborzinho tá lá, no mesmo ritmo e vai dormir de novo, tranqüilo, sabendo que tudo continua como antes.

Mas eis que de repente, não mais que de repente, epa!, tem algo estranho acontecendo. Destamparam o ralo da piscina? A bolha furou? As paredes vão se fechando, algo o empurra. Você não tem a menor ideia do que seja, mas boa coisa não parece.

Dito e feito: a passagem é estreita, quase o sufoco. Você sai vivo do outro lado (existe um outro lado!), aí bate uma baita luz na tua cara, um frio do diabo e pronto, quando você vai ver – e ver dói, arde o olho – tá ali, todo melecado e pelado no meio de desconhecidos. A cultura ainda não lhe deu as ferramentas para entender lhufas, mas a natureza já o brindou com os instintos e a primeira sensação da vida deve ser um medo profundo. Que roubada você pensa. Ou melhor, sente.

Programão, hein? Mas quando tudo parece perdido e você começa a sentir um negócio que, mais para a frente, seria formulado como “onde é que eu fui amarrar o meu burro?!”, algo de bom finalmente acontece: botam você num colo. Colo é uma coisa quentinha, cheirosa, um lugar realmente bom de estar. (Deus deve ter ganho algum prêmio de design pela criação do colo.) você vai se acalmando e quando já está pensando “bem, não posso reclamar”, acontece outra coisa maravilhosa: você se vê diante de um peito. (Se Deus não ganhou um prêmio de design com o colo, ganhou com o peito: melhor conceito, melhor embalagem de alimentos e melhor projeto, em todas as categorias.) e colocam o peito na sua boca. E você chupa, e vem leite, doce, quente. Ah, mangueira na barriga o escambau! Comer pela boca é muito melhor. Você dá um arroto, se ajeita ali no colo e dali em diante, começa a encarar essa coisa chamada vida, com ursinhos de pelúcia, bicicletas, vestibulares, amor, tédio e outros ingredientes mais ou menos importantes.

Pelo menos até o dia, ninguém sabe quando, em que se deparar com a primeira maior roubada da vida de um ser humano. Só espero que, nessa gora, também exista um lado de lá, com colos, peitos, essas coisas.

Texto de Antônio Prata