Todos da casa estavam na sala, diante do televisor. Ao lado do aparelho, sentado em uma cadeira, de frente para as pessoas, estava eu. Ao que parece, podiam ver-me, se quisessem. Os olhares, no entanto, centravam-se no filme. Dali os via de uma maneira singular. Uma coreografia de olhares, expressões que se alternavam entre o riso leve e um ar de ligeira apreensão, entre a passividade e a euforia.
O tempo passava; não o transcorrer de um filme, mas de uma vida. E todos permaneciam ali. A VIDA ERA UM ESPETÁCULO DO QUAL EU SÓ PARTICIPAVA COMO ESPECTADOR; UM ESPECTADOR DE ESPECTADORES.
Levanto-me - já muito tempo passara -, sento-me no sofá, ao lado dos presentes, que não esboçam reação. TV ligado, todos olhando, eu olhando, mas não vejo o filme. Ouço a trilha musical, não as vozes.
A vida era um espetáculo carente de vozes. A despeito do espaço reduzido, a sala estava repleta; todos os familiares e alguns amigos. Eu não via o filme, via as pessoas, mas não sentia suas presenças.
A vida era um espetáculo imaterial. Um desconhecido entra na sala, olha para mim, ninguém desvia o olhar. Com um gesto, pede licença para sentar. Com a cabeça, concordo. Empurra-me um papel dobrado - nada há escrito -, oferece-me um como d'água, levanta-se e vai embora.
Sonhador: Professor universitário, 38 anos, solteiro.
In: GUIMARÃES, R. B. (org) Memória e imaginário urbano: geografia de Morpheus. Presidente Prudente: Azimute, 2006.
Também sou dessas que acorda sonhando.
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