terça-feira, 10 de julho de 2012



NO                                           








“Quando em teu colo deitei a cabeça, meu camarada, 
a confissão que fiz eu reafirmo,
o que eu te disse e a céu aberto 
eu reafirmo: sei bem que sou inquieto 
e deixo os outros também assim, 
eu sei que minhas palavras são armas 
carregadas de perigo e de morte (...)”
(Walt Whitman)

Começo esse texto com as palavras do poeta, ensaísta e jornalista norte-americano Walt Whitman, pois esse texto foi construído com a leitura dos jornais virtuais que noticiaram sobre o andamento da Cúpula dos Povos. Além do mais, minhas palavras também são “confissão” – “palavras são armas / carregadas de perigo e de morte”.
Estive presente no Rio de Janeiro na semana que ocorreu a Rio +20 e a Cúpula dos Povos, esse texto trata da minha experiência na Cúpula. Tenho interesse em refletir sobre como as bases sociais articuladas politicamente foram tratadas na Cúpula dos Povos, em contraste com o glamour vivido pelos líderes mundiais que estavam na Rio +20.

A CÚPULA DOS POVOS: UMA VERDADE INCONVENIENTE
“Esse Brasil lindo e trigueiro
É o meu Brasil Brasileiro
Terra de samba e pandeiro...”
(Aquarela do Brasil, João Gilberto)


A Cúpula dos Povos foi inspirada no Fórum Global, também realizado no Rio de Janeiro – conhecido mundialmente como “Rio 92” – realizado também no Aterro do Flamengo. De acordo com informações da BBC (quem quiser saber os sites, mande-me um e-mail que lhe envio artigo completo), para o ano de 2012, 15 mil ativistas foram esperados para a cidade do Rio de Janeiro para participar da Cúpula dos Povos. Essas pessoas ficaram em alojamentos distribuídos pela cidade, entre eles o Sambódromo, escolas públicas e a Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Somente no Sambódramo, cerca de 10 mil pessoas ficaram instaladas no decorrer dos dez dias do evento. A entrada da imprensa no Sambódramo foi proibida. Em reportagem exibida no portal “terra.com.br” encontramos o seguinte relato: “Não se pode entrar, isso agora é propriedade privada”, explica Edson Souza, um voluntário que diz cumprir ordens dos organizadores. “A comodidade é mínima e não há nada para comer”, queixa-se Antonio Regivaldo, 32 anos, da União Popular por uma Moradia. Na sequencia do texto do referido sítio virtual, encontramos o relato um cacique Potiguara, dizendo que: “Está mal organizado. Deveriam nos dar café da manhã, mas, como sempre, os que têm menos são esquecidos”.
A Cúpula dos Povos foi realizada por iniciativa de 200 organizações ambientalistas e movimentos sociais do mundo inteiro, para, principalmente, lutar contra o mercantilismo e defender os bens comuns. O governo brasileiro foi seu maior financiador desse evento, contribuindo com 5 milhões de dólares, aponta jornal “O Povo”.
Em reportagem exibida no portal virtual G1, no dia 13 de junho de 2012, houve a notícia de que cerca de 10 mil pessoas deveriam ficar instaladas no Sambódramo do Centro do Rio de Janeiro, e nesse espaço haviam mais de 200 banheiros químicos instalados. Pensemos como os organizadores, 10.000 pessoas para utilizar 200 banheiros. Seriam 50 pessoas por banheiro! Qual a higiene de um banheiro desses? Quantas vezes ele deveria ser limpo para atender minimamente as pessoas? Houve preocupação com a salubridade do espaço, houve preocupação com as seres humanos, e principalmente, com a vida? (Não vou falar do meio ambiente.)
O relato denúncia trazido pela reportagem do Estadão, traz as impressões de algumas pessoas que ficaram alojadas no Sambódramo durante a Cúpula dos Povos: 
As principais queixas daqueles que ficaram no Sambódromo dizem respeito às péssimas condições de higiene do local e à comida, que estava estragada e fez com que alguns passassem mal. “Nunca vi tanto desrespeito. Eles trouxeram índios para virarem atração turística. Não tiveram a menor dignidade ao tratar os povos tradicionais”, reclamou a educadora paulista Mirian Orensztejn, que estava com a neta, a índia carajá Myralu Werreria Orensztejn, de 3 anos.
A organização não se responsabiliza pela alimentação comprada. “Alguns grupos receberam vale-refeição e uma lista de restaurantes credenciados. Mas preferiram comprar em locais não recomendados”, disse Alessandra Alli, coordenadora de alojamento da Cúpula dos Povos.

Estive presente no evento durante os dias 16 a 21 de junho, também instalados no Sambódramo, e não recebi nenhuma lista de restaurantes credenciados. Também não recebi vale-refeição (tickets) todos os dias em que estive no Sambódramo. Esse fato nos leva as contas mais uma vez; 10 mil pessoas recebendo 24 reais de vale-refeição por dia, durante 10 dias, temos um gasto total de R$ 2,4 milhões. No entanto, vale lembrar que nem todas as pessoas ficaram os 10 dias no evento, portanto o gasto provavelmente foi menor. Levando em consideração que o Governo Federal destinou 5 milhões de DÓLARES fica a questão – porquê as pessoas não receberam tickets todos os dias? O que foi feito com esses vales-refeição que não foram entregues? Quem são os líderes responsáveis por repassar esse valor à população que estava alojada no Sambódramo? A quem cabe repassar uma prestação de contas à população?

Como PENSAR NÃO É PROIBIDO, me aventuro a dizer: talvez seja consenso entre aqueles que acompanharam de perto esses dois eventos em 2012 que ambos foram a expressão do Zeigst que vivemos. De um lado os poderosos líderes mundiais representando os interesses de uma elite global – a Rio+20 foi a expressão de como as coisas podem ser organizadas quanto o que está em jogo é a imagem do país.
Por outro lado, temos a Cúpula dos Povos que demonstraram a força dos movimentos de base no país e no mundo. As passeatas, reuniões, palestras, abriram espaço para o povo gritar seu descontentamento por um modo de vida que prejudica o mundo e a humanidade. Também podemos observar a fragmentação dos interesses populares, muitos grupos erguendo diferentes bandeiras: anarquistas, feministas, movimento sem terra, movimento sem teto, movimento indígena, movimento por moradia popular, movimento quilombola, para citar alguns. (Não pretendo julgar se isso é bom ou ruim.)
A declaração final da Cúpula dos Povos na Rio+20 foi divulgada na internet (é só perguntar ao Google) com o título: “Por Justiça Social e Ambiental em Defesa dos Bens Comuns, Contra a Mercantilização da Vida”. No documento em questão, encontramos um texto preocupado em atacar o atual mercado financeiro, a sociedade de consumo e, principalmente a MERCANTILIZAÇÃO DA VIDA.
Interessante notarmos que apesar das intenções, o que presenciei no Sambódramo foi totalmente o oposto da luta contra a mercantilização da vida. Durante os dias da Cúpula dos Povos, observamos pessoas passando fome no Sambódramo, pessoas dormindo em jornais, tickets que simplesmente desapareceram.
Foi fácil observar a política brasileira sendo reproduzida da maneira mais fria e cruel. Se as pessoas participassem das barracas e palestras definidas pelo líder de determinado grupo, elas ganhariam o direito à alimentação (tickets). Se as pessoas não “obedecessem” seus líderes os vale-refeições não eram recebidos. Uma troca desumana, desigual, injusta: o apoio popular pelo pão. Isso nos lembra um pouco como as coisas que acontecem em macro escala, nível Brasil, se reproduzem em micro escala, nível local (Sambódramo).
A democracia, mais uma vez, foi esquecida de ser convidada para ambos os eventos. Na Rio +20 o que imperou foi o interesse dos detentores do capital. Na Cúpula dos Povos, apesar das boas intenções, nos parece que o discurso não conseguir chegar as bases e se tornar algo real, preocupado com o ser humano e com a valorização da vida.
Fica desse breve texto a nossa posição crítica, inspiradas no celebre pensamento de Bertold Brecht, de que Nada é Impossível de Mudar:

Desconfiai do mais trivial,
na aparência singelo.

E examinai, sobretudo, o que parece habitual.

Suplicamos expressamente:
Não aceiteis o que é de hábito como coisa natural,
pois em tempo e desordem sangrenta,
de confusão organizada,
de arbitrariedade consciente,
de humanidade desumanizada,
nada deve parecer natural
nada deve parecer impossível de mudar.

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